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O Brasil por trás da Semana de 22
15 de fevereiro / 2022
As comemorações ao centenário da Semana de Arte Moderna de 1922, celebrado neste mês fevereiro, suscitam diversos debates a respeito do evento, especialmente sobre seu formato, conteúdo e participantes, além do propósito que impulsionou sua realização. Mas existe um fator fundamental a ser levantado e que ajuda a compreender toda a força motivadora do festival: qual o Brasil por trás da Semana de 1922?
Naquele ano, uma série de eventos realizados em grandes capitais do país celebravam o primeiro centenário da Independência do Brasil, proclamada em 1822. Na capital carioca, por exemplo, era organizada a Exposição Internacional do Rio de Janeiro. Já em São Paulo, a Semana de Arte Moderna integrava o calendário de solenidades.
Com a reunião de diversos artistas e intelectuais da época, como Di Cavalcanti, Anita Malfatti, Mário de Andrade, Manuel Bandeira e Oswald de Andrade, a Semana representava uma tentativa dessa elite de estabelecer uma nova identidade para o Brasil, com a valorização do nacionalismo, dos símbolos de nossa cultura e rompendo com o que vinha sendo feito até então.
“Trata-se de um momento em que esses intelectuais e integrantes das elíticas políticas e econômicas olham para o passado, fazem um balanço e prospectam o futuro. É um momento de olhar para trás, pensar no que foi feito nos 100 anos de Brasil independente e em qual Brasil é preciso daqui pra frente”, conta Diana Gonçalves Vidal, professora e diretora do Instituto de Estudos Brasileiros da Universidade de São Paulo (IEB USP).
No entanto, é simplista pensar que a arte moderna no país teve início precisamente a partir daquele momento. “O modernismo não chegou no Brasil assim, de uma hora para outra. Não foi um evento que fez que isso acontecesse”, explica Maria Izabel Branco Ribeiro, professora da Fundação Armando Alvares Penteado (FAAP).
Desejo de renovação
O Brasil vinha nesse movimento de transformações e recomeços há cerca de três décadas. A república recém-proclamada inspirava na população o desejo de se criar uma nova realidade para o país, e outra circunstância também colaborava para esse sentimento: o recente fim da Primeira Guerra Mundial.
“O fim da guerra trouxe para o mundo todo uma sensação de liberdade, a vontade de construir uma civilização pacífica. A década de 1920 fez parte de um momento de efervescência e construção de algo novo, e isso incluía a ressignificação da mulher no mercado de trabalho, novos métodos de ensino, o avanço da tecnologia… a esperança estava muito presente”, desvenda Diana.
A ruralidade era uma das principais características do país àquela época. “Em 1922, quando você olha para o que é o Brasil, você vê um país em que 80% da população é analfabeta. Na fala de alguns dos intelectuais da época, como Monteiro Lobato, tratava-se de uma nação de ‘população inculta’, com riquezas e possibilidades de crescimento, mas que ainda não havia cumprido sua missão”, conta Diana..
Por isso, os grandes avanços da modernidade surgiam, essencialmente, nas capitais de destaque, como Recife, Rio e São Paulo – sendo essas duas, inclusive, protagonistas de uma disputa pelo cargo de capital cultural do país.
“Não havia na cidade de São Paulo uma estrutura artística como havia no Rio de Janeiro, capital da República naquele momento. Em São Paulo, as atrações culturais eram o circo, futebol, pequenas apresentações artísticas em teatros e clubes, além de pessoas que se encontram nas próprias casas para cantar ou fazer saraus”, esclarece a professora Maria Izabel.
Elite escravocrata
Com o caráter recente da abolição da escravidão, as especialistas também ressaltam o caráter ainda escravocrata do Brasil, à época. Por isso, a mesma elite que comandava movimentos em busca do nacionalismo, dessa arte moderna, também se identificava muito mais com os costumes e o modo de vida europeu do que com os mestiços que aqui viviam.
“Muito dessa visão do Brasil como a cópia do estrangeiro ou sempre dependente culturalmente do que vem de fora, algo que a gente chama popularmente até hoje de síndrome de vira-lata, vem desse olhar de uma determinada elite que gostaria, de fato, de estar morando em outro lugar – ou seja, que se vê mais associada a esse passado europeu do que ao passado mestiço nacional”, destaca a professora Diana.
Todas essas nuances por trás da criação da Semana de Arte Moderna de 1922 são importantes para a compreensão da relevância do evento e, também, do porquê dele se tornar algo que reverbera críticas, análises e reflexos no país já há um século. De forma sintética, como dito por Maria Izabel, “era uma elite falando da fazenda” – mas trazendo debates nunca antes vistos para o país.
Fonte: casavogue.globo.com
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